terça-feira, 15 de março de 2011

Carnaval, Amor e Lama?!

As aventuras de nossa repórter ao procurar fugir do Carnaval do Rio de Janeiro

                                    * por Carla Barros



23h, Rodoviária Novo Rio, sexta-feira, véspera de carnaval. O inferno existe e é aqui. Tive a sensação de que todo o Rio de Janeiro ocupava a área de embarque. A cada segundo, alguém esbarrava em mim com a bagagem.
Os homens, já em ritmo de pré folia, cuspiam no chão e bebiam cerveja.  De repente, um cheiro insuportável. Com o atraso médio de duas horas dos ônibus, milhares de pipocas de microondas estavam sendo preparadas. Eu só tinha um pensamento:  como tivera aquela ideia infeliz? Lembrei! O amor, ou melhor, o acaso do amor.
Algum tempo antes do carnaval, conheci alguém. Decidimos que seria bom ficarmos bem longe da folia, queríamos paz às nossas vidas frenéticas. Destino escolhido: região serra de Minas Gerais. Em minha utopia, o local apropriado para ficarmos juntos.E aqui estavámos nós na rodoviária, esperando; Dante não teria imaginado inferno pior, com certeza.
Como era de se esperar nosso ônibus também estava atrasado em duas horas. Veio a fome,o sono e o frio, mas, tudo estava bem, afinal, era o amor. ah! o amor... 
Duas horas da madrugada, enfim, a viagem começou, íamos poder ficar juntinhos, sentadinhos e abraçadinhos.
Ao sentarmos, uma constatação: o mundo, definitivamente, queria me boicotar. Entre os dois bancos, havia um braço tão grande e imóvel que mal dava para nos beijarmos. Decidimos, então, que era melhor dormir, pior não poderia ficar.
Chegamos em Belo Horizonte sob uma chuva torrencial. Lembrei-me do telefonema, na noite anterior, no qual a dona da pousada informara que a previsão era de chuva todos os dias, e se isto acontecesse, não haveria mais nada a fazer, além de assistir TV, programa depressivo para quem estaria sozinha no meio do mato. Dias antes da tão programada viagem, o roteiro mudou e não nos veriamos por todo o período, mas, mesmo assim, o amor continuava a ser lindo, certo?
Vendo a minha cara de pânico, ele me disse que se o tempo continuasse assim iria para a serra mais cedo. Tive crise de identidade, não sabia se torcia pela chuva ou não.
Com muita fome, fomos comprar a minha passagem para a região serrana. Estava eu, na fila, sonhando com o café da manhã, quando, de repente, ele me puxou e disse que ou eu ia naquele instante ou só no dia seguinte. Fui para o embarque e ele ficou em BH.
No meio de toda a confusão, eu só pensava no pão de queijo mineiro que acabava de perder. O estômago falou, e alto. Lembrei que havia uma broa de milho na bagagem, comprada na madrugada. No início, ela parecia deliciosa. Ao final, eu já bebia água, para ajudar a descer aquele bolo de farinha com gosto de erva doce, que se formava na minha boca a cada mordida.
O ônibus chegou. Nesse momento, tive a certeza de que havia uma conspiração cósmica contra a minha pessoa. O veículo era velho, com cadeiras apertadas, janelas com formato diagonal que mal deixava entrar vento e sem ar-condicionado.
O meu lugar era ao lado do motorista. Recordei-me do gato de botas do Shrek e assim fiz cara de piedade. Consegui. Fui sentada na última fileira do ônibus que tinha  cinco bancos não reclináveis e o meu era o do meio entre dois casais apaixonados. Tudo o que sempre pedi à Deus.
Com um mau humor insuportável, fome e calor, revolvi comer a única  barrinha de cereal existente, que como diz a minha mãe, é zero por cento de sabor.
Paramos num vilarejo no meio do nada. Sem papel no banheiro, o que me salvou foram as folhinhas da minha agenda que assim ficou com o ano comprimido.
Aproveitei a parada para pedir ao motorista que me avisasse quando estivessemos chegando na serra e parasse perto da padaria. Em vez da aguardada resposta de confirmação, ele informou não conhecer muito bem o caminho, além de poder esquecer de me avisar.
Desse momento em diante, passei a infernizar a vida de todos que estavam ao meu redor perguntando se já estavamos chegando. Depois de poucos minutos e muita cara feia, cheguei.
Fui logo para a (única) empresa de turismo para definir a programação do carnaval; eu tinha que fazer a viagem valer a pena. Até chegar ao hotel passou-se um bom tempo, entre eu me perder com a bagagem pesada e ligar para lá  e descobrir onde era.
No quarto, troquei de roupa, peguei a minha câmera fotográfica profissional e fui andar de bicicleta. A viagem prometia me recompensar pelos traumas vividos até o momento.
Já no primeiro passeio fotos lindas. O mundo estava começando a ficar belo. Eu já sonhava com as mil fotos que iria tirar - amo fotografia -, quando cai na cachoeira junto com a câmera. O drama assolou a minha mente. Neste segundo, me imaginei na rodoviaria voltando para casa, mas o amor é lindo e eu sou uma anta.
Pensei, então, em percorrer todas as lojinhas (2) da cidade e comprar todos os cartões postais, o que agradaria o meu lado fotógrafo, se toda a coleção não se resumisse as mesmas 10 fotos presentes nas lojas e pontos de venda.
Definitivamente, não levaria muitas fotos da viagem, resolvi, então,abstrair e não mexer mais na câmera. Quem sabe, assim, os planetas não se alinhariam em outra posição e o meu inferno astral iria embora?
Vida que segue e o amor é lindo. Fui para o próximo passeio junto com um guia local por uma trilha de barro.
Para quem nunca fez mountain bike, eu estava bem. Contabilizei, na ida, apenas duas quedas de cara no chão e uns 4 arranhões, além do tênis preto ter se tornado vermelho.
Conheci a fazenda que deu origem ao distrito. Uma das herdeiras, professora de ensino fundamental, escreveu com as crianças um livrinho sobre a história do local, que é vendido aos visitantes com o objetivo de levá-los à cidade de Diamantina pelo caminho da Estrada Real. Isto valeu o dia.
A cidade era “tão grande” que no caminho conheci a venda do Zeca. Posso afirmar tratar-se de um ponto turistico com direito a placa indicativa na beira da estrada e um dos dois pontos de venda do local.
No hotel, em vão, tentei secar a máquina com a toalha. Desisti e fui à missa rezar por ela. Na verdade, percebi que tinha que rezar muito, a cada novo momento uma surpresa: a missa era à luz de vela. Os padrões internacionais de segurança passaram bem longe dali.
As velas ficavam na beira dos bancos presas pela cera derretida, e quando apagavam, um menino de uns 8 anos que corria pelas laterais da igreja as acendia novamente.
Eu cai do mundo, aquilo era uma realidade paralela, só podia ser. As pessoas precisariam de passaporte para chegar ali.
No mundo que conheço, mal a missa está terminando, as pessoas estão rezando para ir embora; ali ainda havia alguém que no final leria uma ode uns 15 minutos ao avô falecido e todos a ouviram pacientemente.
Resovli andar para conhecer a cidade, tarefa cumprida em 10 minutos.
Com fome, tentei comer um sanduíche de queijo minas, que não tinha em lugar nenhum, mas o de cheddar...podia até ser combinado com o peperonni.
Passei pelas duas únicas ruas asfaltadas do lugar e fui dormir.
Para minha infelicidade auditiva, quem disse que não tem carnaval na Serra? Era possível escolher entre o som do funk que vinha do auto-falante do carro ou do grupo de moradores que se reuniram para tocar, diga-se de passagem, fazer barulho na frente de um dos dois supermercados do distrito.
Dali em diante, a viagem foi uma aventura, não tanto pelos passeios, mas pelos personagens que cruzaram a minha vida e os momentos inesquecíveis como um labrador que quis se matar na cachoeira e o grupo todo se mobilizou para salvá-lo, o casal de italianos, que quando nervosos falavam desesperadamente na língua natal, e ninguém entendia nada; as meninas gordas que faziam trilha em caverna e já haviam ficado presas pelos seus tamanhos; a hipoglicemia que tive na trilha de 20 km; o músico que parecia estar drogado, a capelinha que ficava ao lado do bar mais profano da cidade, o alto falante da Igreja informando que alguém morrera e a data/hora do enterro, além da chuva de todos os dias.
Último dia de viagem. Eu, parada na beira da estrada fazendo sinal de carona para o ônibus tentando ver se conseguia vaga para chegar em BH e depois seguir para o Rio de Janeiro. Essa cena impregnou a minha mente. Eu não tinha como voltar para BH. Era fato. Claro, o amor era lindo e eu não tinha a passagem de volta.
Enfim, vendo as cenas de ficção científica na minha mente, os planetas se realinharam e consegui carona com os italianos malucos e o labrador histérico que latia, sempre, ao pé do meu ouvido, quando alguem se aproximava do carro fechado, com ar condicionado.
Acham que o filme de suspense terminou? Não, a vida não seria tão legal comigo assim. Meu ônibus saia às 16h. Eram 15:30, nenhuma placa indicando a rodoviaria, o cachorro latindo, os italianos falando e eu me imaginando dormindo num banco da rodoviária. 15:50, cheguei. A viagem ou melhor o carnaval traumático terminou.
O amor? Ah! Claro. Não nos vimos mais. Ficou. Voltei sozinha com a câmera quebrada, roupas sujas, sem duas unhas dos pés que cairam por causa da umidade da bota, joelho doendo e muita história para contar.

*Aluna de jornalismo da Universidade Candido Mendes, Campus Niterói.

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